Uma visão acerca da conciliação no Novo Código de Processo Civil

Mônica Miranda Gomes de Oliveira, ex-defensora pública do Estado de Mato Grosso, ex-promotora de justiça do Estado do Pará, juíza de direito do Estado do Pará.

O Novo Código de Processo Civil trouxe, logo no artigo 3º, parágrafo 3º, a cultura da pacificação, estimulando os juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.

No caput do referido artigo 3º, o legislador positiva o princípio da inafastabilidade da jurisdição ou do acesso à justiça, que já encontra positivado no artigo n. 5, XXXV, da CF/88, dizendo que não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.

Note-se que o acesso à justiça, nos moldes do Novo Código de Processo Civil, foi oficialmente inaugurada no Poder Judiciário brasileiro pelo Conselho Nacional de Justiça com a Res. 125/2010, que dispõe que “cabe ao Judiciário estabelecer política pública de tratamento adequado dos problemas jurídicos e dos conflitos de interesses, que ocorrem em larga e crescente escala na sociedade, de forma a organizar, em âmbito nacional, não somente os serviços prestados nos processos judiciais, como também os que possam sê-lo mediante outros mecanismos de solução de conflitos, em especial dos consensuais, como a mediação e a conciliação”.

Com a Resolução 125/2010, foi determinando a criação do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (NUPEMEC[1]), em cada Tribunal de Justiça brasileiro, visando utilizar os métodos alternativos de solução de conflitos como a conciliação e a mediação para proporcionar à sociedade um Judiciário mais célere, que busca solucionar os conflitos de forma preventiva, acarretando a pacificação social. Em contrapartida, para executar as políticas públicas apresentadas pelo NUPEMEC, foi criado os Centros Judiciais de Solução de Controvérsia (CEJUSC).

Nesta esteira, o artigo 3ª informa, ainda, ser permitido a arbitragem, na forma da lei, determinando que o Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos.

Os três parágrafos que compõem o artigo 3º tratam dos equivalentes jurisdicionais, meios alternativos que buscam a solução do conflito sem ingresso no Poder Judiciário. São equivalentes jurisdicionais a autotutela, autocomposição e a arbitragem. Como muito bem leciona o professor e magistrado carioca Antônio Aurélio Abi-Ramia Duarte, “vivemos um moneot de excessivo demandismo judicial, motivado pelos mais diversos fatores, que avo desde o aumento da produção industrial até a formação cultural e social da nossa gente, razão pela qual os meios extrajudiciais de solução de conflitos de interesses devem ser, mais do que previstos, estimulados pelos operadores do Direito, como prevê o artigo 3, § 3º, do CPC/2015[2].

Tal previsão visou favorecer o chamado sistema multiportas[3], terminologia muito difundida pelos processualistas e que foi atribuída ao Frank Sander, quando era professor da famosa Universidade de Harvard.

Nesta esteira, verifica-se que a Constituição Federal de 1824 já trazia em seu artigo 161 a previsão de que “Sem se fazer constar, que se tem intentado o meio da reconciliação, não se começará Processo algum”. De outro lado, no ano de 1995, a Lei Federal n. 9.099, em seu artigo 16, também mencionava referida audiência. Outrossim, na Justiça do Trabalho, há, igualmente, a previsão no artigo 625-A da Consolidação das Leis do Trabalho a previsão das comissões de conciliação prévia como tentativa de composição anterior à instauração do processo.

Assim, além dos processos judiciais tradicionais (ou da solução prestada ordinariamente pela jurisdição estatal em processos adversariais), passa o Poder Judiciário a apostar, também, em outros mecanismos, denominados meios consensuais. Passa a haver, entre nós, um centro judiciário de solução consensual de conflitos, que busca enfatizar técnicas que propiciem a autocomposição, como a conciliação e a mediação.

Desta forma, conciliador e mediador são considerados auxiliares da justiça, que contribuem com o juiz para que este cumpra o que se prevê no artigo 139, V, do CPC/2015, ou seja, que ao juiz incumbe promover a autocomposição e, nesse caso, diz a Lei, “preferencialmente com auxílio de conciliadores e mediadores judiciais”.

Dada a evidente relevância social da administração da justiça, o Estado vem tentando organizar as instituições capacitadas a mediar conflitos entre cidadãos.

Nesta significativa perspectiva, muito mais enfático do que o anterior, o novo diploma processual prevê ainda a criação de centros judiciários de solução consensual de conflitos, responsáveis pelas audiências de conciliação e mediação (artigo 165[4]); estabelece os princípios que informam a conciliação e a mediação (artigo 166); faculta ao autor da demanda revelar, já na petição inicial, a sua disposição para participar de audiência de conciliação ou mediação (artigo 319, inciso VII); e recomenda, nas controvérsias de família, a solução consensual, possibilitando inclusive a mediação extrajudicial (artigo 694).

A despeito de tal ilação, muitos dizem que o magistrado não pode mais fazer mediação e conciliação, conforme novel legislação, por se enquadrar numa das hipóteses de suspeição. No entanto, o NCPP não veda tal situação, conforme se verifica entre os artigos 165 até o 175, sendo inúmeros os benefícios alcançados ao utilizar a conciliação e a mediação como forma de solução de conflitos.

Pois bem.

O artigo 334 dispõe o procedimento da audiência de conciliação ou de mediação, que poderá ser realizada por meio eletrônico, indicando que se a petição inicial atender aos requisitos legais, desde que o objeto do litígio admita autocomposição, deverá ser designada audiência de conciliação ou de mediação com antecedência mínima de 30 dias.

Neste compasso, a citação do réu será efetivada com pelo menos 20 dias antes da audiência. Do ato citatório já deverá constar a data da audiência.

A presença de conciliador ou mediador, nas comarcas em que houver, é imprescindível, pessoa idônea e capaz de administrar as quatro fases da conciliação, quais sejam: a de preparar (levantando todos os fatos possíveis acerca da situação vivida pelos interessados), a de discutir (sendo o encontro face-a-face dos interessados, quando cada um apresenta sua posição inicial, ocasião que se observa os sinais de cada um a respeito das propostas); a de barganhar (onde se faz propostas firmes mas condicionais), sempre relembrando todos os pontos fechados e valorizando o ato nos ângulos da outra pessoa.

Conforme José Miguel Garcia Medina[5],

O CPC/2015 procurou ser didático, quanto à diferença entre as atividades a serem desempenhadas pelo conciliador e pelo mediador. Há dois critérios distintivos: (a) um toma por base a existência ou inexistência de vínculo anterior entre as partes (sob esse prisma, por exemplo, a mediação parece mais adequada a conflitos relacionados ao direito de família, enquanto a conciliação ajusta-se melhor a litígios relacionados à responsabilidade civil por ilícito extracontratual – acidente de trânsito, v.g.); (b) outro se relaciona aos limites e ao modo de atuação do conciliador e do mediador (permite-se ao conciliador “sugerir soluções para o litígio”, enquanto ao mediador, como se afirma na doutrina, “cabe restabelecer o canal de comunicação entre as partes, a fim de facilitar uma negociação entre elas, para que possam, por si sós, chegar a um acordo a ambas favorável” (Ivan Aparecido Ruiz, A mediação e o direito de família, Revista de Arbitragem e Mediação, vol. 6, p. 75 e ss., grifou-se; sobre a distinção entre mediação e conciliação, cf. também Petrônio Calmon, Fundamentos… cit., n. 8.5.5, p. 111). Essas diferenças demonstram que a atuação do mediador é mais profunda, já que deverá lidar com aspectos emocionais ou, até, sentimentais das partes, com o intuito de restaurar a relação antes existente entre elas. Sob esse prisma, a solução obtida através da mediação tende a ser mais estável que aquela decorrente da conciliação, já que o conciliador ocupa-se de dar fim ao litígio, sem se ocupar, necessariamente, com aspectos (psicológicos, por exemplo) que não se encontram manifestos. A conciliação, assim, pode ser solução satisfatória para eventos instantâneos, mas a mediação é medida mais adequada para problemas que emergem de relações duradouras (como, por exemplo, a relação entre pai e filho). Isso não significa, contudo, que a mediação será a alternativa mais adequada para todas as questões envolvendo familiares (por exemplo, não raro herdeiros preocupam-se apenas com aspectos patrimoniais em disputa, não se importando com – ou, às vezes, recusando terminantemente – um restabelecimento em sua relação). Vê-se que a escolha entre um desses mecanismos não pode ser feita aleatoriamente, e exigirá do magistrado e das partes o devido cuidado, seja porque a escolha de método inadequado não surtirá qualquer efeito, seja porque, além de ineficiente, contrariará o princípio da economia – duplamente, seja em razão dos custos do processo, sejam em razão do tempo que se perderá. Observou Frank Sander: “I tried to look at each of the different processes and see whether we could work out some kind of taxonomy of which disputes ought to go where, and which doors are appropriate for which disputes” (cf. cita Mariana Hernandez-Crespo, A dialogue…, cit., p. 670). Semelhantemente, com olhos no CPC/2015, afirma Humberto Dalla Bernardina de Pinho que tais técnicas não podem ser aplicadas aleatoriamente, sem critério (“o novo CPC exigirá do magistrado a capacidade de examinar a natureza do conflito e determinar o mecanismo mais adequado para enfrentá-lo” (A mediação…RePro 207/213). Cf. também o que se diz a seguir.

Segundo o artigo 165, os tribunais criarão centros judiciários de solução consensual de conflitos, responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação e pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição.

Entretanto, ainda existem muitos estados em que não há profissionais especializados do quadro do seu Tribunal de Justiça, ou se há, apenas em algumas comarcas, fato que é realidade, atualmente, por exemplo, no Estado do Pará, situação que dificulta a aplicação de forma direta e imediata das novas disposições do Novo Código de Processo Civil.

A título de conhecimento, no Estado do Pará, somente há CEJUSC nas cidades de Santarém, Parauapebas e Paragominas, além da capital Belém.

Segundo consta, o parágrafo 2º do artigo 334 autoriza que tal audiência de conciliação possa se desdobrar em mais de uma ocasião, para se chegar à conciliação ou à mediação, não podendo ultrapassar o prazo de 2 meses.

A intimação do demandante da designação do referido ato processual poderá ser efetivada na pessoa de seu advogado (conforme parágrafo 3º do artigo 334).

De outro lado, a audiência não será feita se os litigantes, de forma expressa, manifestarem desinteresse na solução suasória do litígio. Ressalta que havendo litisconsórcio, é necessária a anuência de todos.

Tal manifestação acerca da vontade da conciliação será feita pelo autor já na petição inicial; pelo réu, por meio de petição apresentada até 10 dias antes da data designada para a audiência (parágrafo 5º do artigo 334).

Os litigantes deverão estar assistidos por seus advogados ou por defensores públicos. A teor do parágrafo 10 do artigo 334, a parte poderá constituir representante, não necessariamente advogado, com poderes específicos para negociar e celebrar acordo.

Sendo profícua a conciliação ou a mediação, ainda que sobre parte do litígio, será reduzida a termo e, em seguida, homologada por sentença, formando-se título executivo judicial (conforme artigo 515, inciso II, do CPC/2015).

Cumpre observar que, nos termos do parágrafo 8º do artigo 334, a ausência injustificada das partes na audiência de conciliação ou de mediação é considerada ato atentatório à dignidade da justiça, sendo reprimido com multa de até 2% da vantagem econômica visada pelo demandante ou do valor da causa. O respectivo montante será revertido em prol da União ou do Estado.

Suscita o cuidado de observar que a pauta desta audiência deverá ser elaborada de forma a respeitar um intervalo mínimo de 20 minutos entre uma e outra.

A efetivação social e jurídica desses novos artigos da Lei Federal n. 13.105/2015 dependerá de uma parceria e de uma mudança cultural dos advogados brasileiros com seus clientes e com o Judiciário para, assim, aceitarem a conciliação como forma primária de solução de conflitos, tendo em vista que esta parceria é de estrema importância, como já vem ocorrendo em algumas regiões do Estado do Pará com empresas privadas, no intuito de abaixar o número de processos judiciais em gabinete.

[1] Consolidar essa política é muito difícil, principalmente na região Norte do aís que, além de enorme, não possui recursos financeiros adequados para a estruturação de material e de pessoal.

[2] Novo código de processo civil: o que é inédito, o que mudou, o que foi suprimido / Alexandre Flexa, Daniel Macedo, Fabrício Bastos. — Imprensa: Salvador, JusPODIVM, 2015. 43 p.

[3] MOFFIT, Michael L. Special Section: Frank Sander and His Legacy as an ADR Pioneer. Before the Big Bang: The Making of an ADR Pioneer. In: Negotiation Journal, Outubro, 2006.

[4] Enunciado n.º 187 do FPPC: No emprego de esforços para a solução consensual do litígio familiar, são vedadas iniciativas de constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem, assim como as de aconselhamento sobre o objeto da causa. (Grupo: Procedimentos Especiais – Enunciado interpretativo do Fórum Permanente de Processualistas Civis – FPPC

[5] MEDINA, José Miguel Garcia. Novo Código de Processo Civil Comentado [livro eletrônico] – 1 ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.

A Lei 13.245/16 e suas repercussões jurídicas e práticas nas investigações

Por Rodrigo Foureaux

Em 13 de janeiro de 2016 foi publicada com vigência imediata a Lei 13.245/16, que assegurou a participação do advogado no interrogatório e nos depoimentos durante a investigação, seja de natureza cível, administrativa ou criminal.

Como forme de explorar as mais diversas hipóteses de aplicação da Lei a casos concretos, passamos a discorrer sobre as principais alterações e suas repercussões práticas.

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